Mobilidade integrada: ficção científica ou realidade?
Quando o revi recentemente, fiquei quase chocada por constatar que o argumentista não tinha conseguido prever que em 2019 já não haveria fotos em papel como aparecem no filme, que todos teríamos as nossas fotos nos telefones…
Uma nova mobilidade
Embora ainda não nos desloquemos
em veículos voadores, como no filme, a verdade é que a mobilidade está a sofrer
uma profunda transformação.
Esta mudança de paradigma está ser provocada por factores como: a
insustentabilidade da actual situação, em que os congestionamentos de tráfego
levam a níveis de poluição e perdas económicas elevadas; do ponto de vista
social, a emergência da sharing economy,
que permite racionalizar recursos; ou, ainda, a evolução tecnológica, quer ao
nível da utilização de plataformas que permitem e facilitam essa mesma partilha,
quer ao nível da utilização de veículos com fontes alternativas de energia.
Se
as cidades continuarem a crescer – e a OCDE prevê que 70% da população mundial
viverá em áreas urbanas em 2050 – é evidente que algo vai ter de mudar, sob
pena de as cidades colapsarem.
No Web Summit de 2018, num
painel sobre "Smart cities e o futuro”
dizia-se que "nas cidades, as pessoas não irão escolher o tipo de veículo, mas
onde querem ir, e só depois os meios mais adequados para os levar até lá”.
Também
ficou claro que as cidades estão a ser redesenhadas para os cidadãos, não para
os veículos. Esta reflexão implica juntar um conjunto de stakeholders, como fabricantes de veículos, seguradoras,
universidades e, naturalmente, cidadãos, sendo que se considera que o maior desafio
é o de todos trabalharmos em conjunto na construção das cidades que querermos
ter.
Estamos hoje perante um
conjunto de tendências que impactam profundamente os sistemas de mobilidade nas
cidades de todo o mundo, contribuindo para o desenvolvimento de uma cada vez
maior integração.
A mobilidade partilhada, os veículos autónomos, o aumento da
utilização de veículos eléctricos, a conectividade e a Internet das coisas, alterações
ao nível do sistema público de tráfego e das infraestruturas, a
descentralização dos sistemas de energia e a regulamentação são alguns
exemplos.
Mas também há que ter em conta os sistemas inovadores de parqueamento
e os sistemas de tráfego inteligentes, ou os pagamentos integrados e equipamentos
de apoio a veículos eléctricos.
Obviamente todas estas novas formas de
mobilidade têm de ser adaptadas caso a caso, pois as cidades são diferentes. Por
exemplo, as bicicletas, que funcionam muito bem numa cidade plana, já não serão
tão populares em cidades acidentadas.
Vantagens e desafios
Numa perspectiva geral, a transição
para sistemas de mobilidade integrada deverá melhorar a vida dos moradores das
cidades em muitos aspectos, sendo desde logo o factor ambiental um dos mais
relevantes.
Uma redução das emissões de dióxido de carbono reduzirá problemas
de saúde como doenças respiratórias ou ataques de coração, agravados pela
poluição do ar.
Adicionalmente, a redução de acidentes devidos a erros humanos
fará aumentar a segurança dos cidadãos, para não falar nos problemas de stress
devidos à congestão do tráfego.
No entanto, também haverá algumas consequências
nefastas, como a redução de emprego para condutores e mecânicos. Todos estes
prós e contras terão de ser devidamente tidos em conta pelos responsáveis.
Hoje, existe já uma visão
bastante consensual relativamente ao transporte integrado no que respeita à
mobilidade nas cidades do futuro.
Mas para que a mesma possa ser materializada
será essencial a interacção entre entidades públicas e privadas, incluindo por
exemplo a criação de um título de transporte multimodal que abranja, desde o
transporte público "tradicional” (como metro e autocarros, já hoje geridos por
diferentes entidades) até às scooters, trotinetas e outros veículos partilhados, incluindo aqui os veículos
autónomos.
Acima de tudo, o que é preciso definir é onde queremos chegar, pois
poderá haver várias formas e meios para atingirmos o nosso destino.
E os seguros?
Finalmente, qual o papel do
seguro neste "admirável mundo novo” da mobilidade integrada? Sim, porque as
mudanças ao nível da mobilidade terão certamente um impacto significativo ao
nível dos seguros.
Os desenvolvimentos
tecnológicos como a telemática estão alterar a subscrição do risco. Ao ser
possível contar com informações detalhadas sobre o comportamento dos
condutores, os prémios de seguro são adaptados ao risco real, permitindo um elevado
grau de customização dos produtos.
Por outro lado, a crescente popularidade do vehicle sharing está a criar novos
modelos de cobertura de seguro, como pay
as you drive, abrindo a possibilidade aos seguradores de estabelecer
parcerias com operadores de mobilidade. E porque não, imaginar o seguro
incluído já no custo do título de transporte multimodal, "fechando o círculo”
de um conjunto de serviços ligados ao transporte dos cidadãos…
Outra realidade é que o
risco em si se vai alterar profundamente. Os veículos autónomos vão, prevê-se,
reduzir os acidentes em cerca de 90%, mas levantam novos desafios: quem são os
responsáveis em caso de acidente com o veículo autónomo?
O proprietário do
veículo, o fabricante do produto final ou de partes componentes, a empresa que
cria o software de inteligência artificial, ou quaisquer outros intervenientes?
O número de acidentes vai diminuir, mas quando ocorrerem serão mais graves e a
determinação de responsabilidades será muito complexa, segundo responsáveis do
sector.
Mais uma vez, a colaboração entre todas as partes será essencial neste
novo mundo da mobilidade.
Para complicar um pouco
mais, creio que não passarão muitos anos até que os veículos voadores passem a
fazer parte da paisagem das cidades. Afinal a Tesla e outros fabricantes já desenvolvem
os seus protótipos.
É claro que aí vão levantar-se outras questões,
nomeadamente a da regulamentação. Alguém consegue imaginar um "código da
estrada do ar”? Ficção científica, dirão alguns. Atrevo-me a discordar. Quantas
vezes a realidade consegue ultrapassar os nossos sonhos mais loucos. Como no "Blade
Runner”…
Publicado no Vida Económica